Maio 2020

Desabafos de uma bailarina em quarentena:

Era uma quinta-feira de Março  de 2020, um vírus obscuro chegara  há pouco mais de uma semana ao nosso país. Muitos estavam preocupados, eu acreditava que não passava de um exagero.

 Já havia muita especulação e preocupação no ar, mas nesse dia dei a minha aula no estúdio de dança  com tranquilidade. Já tinha conversado com a dona do estúdio, Cris Aysel, e já previa o que estava para acontecer. Aquela seria a ultima aula presencial que daria até hoje.

 No caminho para casa, entre  metropolitano e barco,  pensei que talvez esta situação se mantivesse por duas semanas “Vá, no máximo até final de Abril”. Estamos agora no 15º dia de Maio e não há previsão para o dia em que volte a ver as minhas alunas cara a cara .

 No inicio até estava  de certa forma motivada. Formei-me em Som e Imagem e Pós-produção vídeo,  e aqui tinha a oportunidade de (mais uma vez) rentabilizar o meu canudo, e investi tudo em fazer tutoriais “todos catita” para as minhas alunas. Já se tinham inscrito nos estúdios em Março e quis garantir que apesar de todas estas circunstâncias,  elas não saíssem prejudicadas desta situação.

 Menos de uma semana depois da minha clausura, peço desculpa, do meu isolamento social, ficou claro que esta situação iria durar bem mais do que duas semanas e à medida que o tempo passa a meta vai ficando cada vez mais longínqua.

 Como seres humanos somos extraordinariamente resilientes , todas nós  (colegas bailarinas) tivemos de nos reinventar e oferecer toda uma panóplia de conteúdos online.

 Perdi (temporariamente) algumas alunas pelo caminho, por variadas razões. Ganhei outras.

 Os primeiros dois meses deste ano não foram fáceis a nível emocional. Apesar de me considerar uma optimista pragmática, este mundo da arte e cultura em Portugal chega a ser desesperante o número de horas e de  dedicação que tributamos à nossa arte para depois viver numa instabilidade constante.

 Finalmente no inicio de Março consegui sacudir a poeira dos ombros e gozava de uma nova e recém descoberta motivação. Estava (e na verdade ainda estou) determinada a treinar diariamente, horas a fio dedicadas à dança e ao afinar do meu instrumento de trabalho, que no meu caso é o meu corpo.

 Pois bem, passados 15 dias entrámos nesta nova realidade. Primeiro mês  até nem foi difícil manter esta motivação (foi difícil sim fazer o luto do que teria sido a melhor temporada  da minha “carreira”, dos trabalhos que tinha agendados).

 Agora, deste há umas semanas para cá, tem sido cada vez mais difícil manter-me motivada. Há dias que não me apetece fazer nada. Esta ultima semana nem treinar para mim me apeteceu (ironicamente tive uma contractura e um torcicolo gigantesco que não me permitiram mesmo fazê-lo,  que por uma lado me frustrou não poder treinar, por outro me deu permissão para ficar a ler os meus livros horas a fio e ver séries na Netflix sem grande sentimento de culpa, só algum).

Cada vez mais evito passar  muito tempo nas redes sociais. Toda a gente a fazer tudo e a mim não me apetece fazer nada. Sei que “são fases”. Já aceitei que  pelo menos até Setembro a minha vida estará em constante reconstrução e não estarei sempre motivada mas também não estarei sempre com o humor de uma batata.

Por agora sei que tenho de concentrar as minhas energias no que me faz sentido, a mim e a mais ninguém, e confiar na minha intuição .

 Talvez algumas de vocês se revejam neste texto, ou talvez não.

 Decidi que o meu post de Maio seria assim, sincero sem  grandes floreados.

 E sim... Vai ficar tudo bem ! Não para todos infelizmente mas para muitos de nós.

*Fotografia: New Vintage Photo

Dançattitude Master act
Raquel Correia